Dia 2
Sou dos primeiros a levantar-me de manhã e a primeira coisa que faço é
abrir as persianas e espreitar lá para fora. O majestoso oceano ainda lá está.
Lá em baixo já há pessoas a passear e a correr nos passeios de pedra escura
junto à praia. Despacho-me e depois de despacharmos a Nikky descemos os dois
para irmos tratar do pequeno almoço, enquanto o resto da família se vai
arranjando. No apartamento deixaram-nos um pacote de boas vindas com vários
produtos tradicionais, tais como queijo da ilha de São Jorge, leite dos açores,
bananas, doces, entre outros.
No dia anterior, a senhora que nos entregou a chave do apartamento
explicou-me onde havia um minimercado para comprar pão fresco. O nosso prédio
fica em frente ao aparthotel Barracuda, junto à praia. Passamos pela areia da
praia, pois a Nikky está sempre pronta para construir castelos, mas não nos
demoramos muito. Seguimos pela rua das Maricas (não se trata de um erro
ortográfico) até à praia seguinte, numa baía mais pequena. Junto ao posto dos
correios há uma pequena praça onde os locais se reúnem pela manhã. O dia está a
ameaçar chuva mas nada que os demova, pois já estão habituados a estas
inconstâncias do tempo na ilha. A temperatura está sempre amena. Entro num café
para perguntar onde fica o tal minimercado. Assim que começo a falar, a senhora
ao balcão olha para mim com um certo ar de espanto como quem topa que não sou
daquelas bandas. É estranho ser tratado como turista “estrangeiro” dentro do
meu próprio país, mas também é um sinal que esta gente ainda não está muito
acostumada a receber visitantes. Com um sotaque carregado lá me explicou que o
minimercado é mesmo ao virar da esquina.
No minimercado há muitos fregueses a esta hora da manhã. À boa maneira
portuguesa, toda a gente se cumprimenta e fala com toda a gente. Neste caso
todos têm um forte sotaque tipicamente de São Miguel, daqueles com que por
vezes fazemos piadas no continente. Dou uma volta pelas prateleiras com a Nikky
enquanto apreciamos a pronúncia da ilha. É uma delícia ouvir as pessoas a
conversarem no seu ambiente local de forma tão natural. Esta é apenas uma das
muitas riquezas culturais da região e a meu ver deve ser bem preservada e
apreciada. Comprei um ananás, para a minha sogra Lourdes que está com desejo
desde que chegamos, um refrigerante de maracujá local, semelhante à Brisa da
ilha da Madeira, e claro umas carcaças fresquinhas. Voltamos ao apartamento,
mas agora em passo acelerado pois começaram a cair uns pingos de chuva.
Depois do pequeno almoço seguimos viagem em direção às lagoas. Pelo caminho
fomos parando em quase todos os miradouros, que são verdadeiros pontos de
interesse em toda a ilha. Passamos pela Covoada e junto ao Aqueduto do Carvão
entramos no parque das lagoas que é composto por três lagoas: Empadas, Éguas e Rasa. As estradas de terra
batida no interior do parque permitem-nos circundar de carro as duas primeiras,
enquanto que para avistarmos a última temos de sair e caminhar não mais de 200
m.

O ambiente é fantástico, totalmente verde com uma variedade impressionante
de vegetação. Não se vê quase ninguém o que ainda torna a experiência mais
especial. Poderíamos ficar por ali o resto do dia.
A seguir fomos à Lagoa do Canário. Aqui também há uma estrada de terra
batida que dá acesso à Lagoa e ao miradouro da Boca do Inferno mas não está
sempre aberta. Hoje por acaso está fechada. Para chegarmos à lagoa temos de
descer por um trilho entre a floresta. A água desta lagoa é ferrugenta, pelo
menos junto às margens e é fruto de toda a atividade vulcânica que vai
ocorrendo por debaixo do solo de toda a ilha.
Para chegarmos ao miradouro tivemos de ir a pé ainda um bom bocado mas o
passeio e a vista valem por cada metro percorrido. Do cimo avistamos as
diversas lagoas das Sete Cidades naquela que é provavelmente a vista mais
bonita de toda a ilha, como alguém nos referiu. Só a escadaria para chegar ao
topo do miradouro já é fantástica per si, mas a partir
do miradouro não há palavras capazes de descrever tamanha beleza. É de ficar
completamente atordoado!
Agora que já avistamos as Sete Cidades ao longe, é hora de voltar a traz
onde estacionamos o carro e descer pela estrada sinuosa até às lagoas.
Passarmos a ponte que dá acesso à povoação e começamos por circundar a lagoa
situada a sul, a Lagoa Verde. Junto às margens estão uns patos em amena
cavaqueira sempre à espera que lhes caia algum petisco. Para além destes amigos
temos também uma vacas que anda soltas num terreno a degustar um saboroso fardo
de palha. A Nikky fica logo alvoraçada para ir brincar com a bicharada. Os
patos fogem dela a “sete patas”, mas as vacas não se incomodam. A estas ela tem
mais respeito. Perante tamanhas criaturas e um cenário tão pitoresco nada
melhor do que uma homenagem as estas vaquinhas que tão amoravelmente nos enviam
leite para o continente. Vamos ao reportório da Nikky e ela começa a cantarolar
a música da “Vaca Leiteira”, um tema com créditos firmados. As vacas espantadas
continuam de volta do seu fardo. Acho que ficaram satisfeitas com a homenagem.
A norte fica a Lagoa Azul. Passamos pela povoação das Sete Cidades e
seguimos a estrada de calçada até um parque de situado no final da estrada. Dai
temos uma vista extraordinária para a lagoa. Está tudo muito bem cuidado com o
verde a contrastar com o tom azulado da água. Neste ponto da lagoa existe um
túnel que faz a ligação com a população dos Mosteiros, junto ao mar. Segundo
consta, o túnel tem 1200 metros e a sua construção iniciou-se em 1930 e demorou
7 anos a ficar concluído. Serve para manter os níveis da água destas Lagoas e
serviu também como zona de passagem entre as duas freguesias (Sete Cidades e
Mosteiros).
Depois da visita às lagoas, voltamos atrás pela mesma estrada até miradouro
da Vista do Rei de onde também se obtêm vistas fantásticas das lagoas. No lado
oposto da estrada está um famoso hotel abandonado que se tornou uma atração turística.
O edifício está completamente degradado, com lixo amontoado no interior mas tem
um movimento considerável de pessoas. Não é necessário fazer check-in, ninguém nos leva as malas ao
quarto e não me parece que tenham serviço de refeições. É cada um por si.
Os
quartos com vista para as lagoas são os primeiros a desaparecer, mas os
hóspedes não se incomodam quando lhes invadem os aposentos para tirar uma
fotografia. Ainda se conseguem vislumbrar alguns restos de alcatifas nos
quartos. É impressionante como foi possível deixar ao abandono uma unidade
deste tipo num local destes. Hoje está num estado degradante tal que julgo não
ser possível a sua recuperação.
Em frente ao hotel há um caminho de terra batida que nos leva por um
percurso com vistas fantásticas até à povoação dos Ginetes. Não fora a dica que
nos deram, nunca teríamos vindo por este caminho. Visitamos o Farol da Ferraria
e depois fomos à piscina natural da Ponta da Ferraria. Aqui não é só a água que
é natural do oceano, mas também a própria estrutura que não é estrutura
nenhuma. O que fizeram foi colocar umas escadas de acesso numas rochas para as
pessoas poderem ter acesso à água.

A piscina é famosa devido à água quente
termal que sai das rochas e se junta à água do mar o que permite tomar banho
praticamente durante todo o ano. Basicamente a água está sempre quente. Quando
chegamos está um casal de estrangeiros a tomar banho. Parecem-me alemães pela
conversa. O dia está de chuva e pouco convidativo para um banho de mar.
Pergunto se a água está boa e eles explicam que quanto mais perto das rochas
estivermos, mas quente está a água. O problema é para entrar, pois onde está a
escada de acesso não existe água quente. O mar está agitado junto às rochas e
para facilitar o banho foram colocadas umas cordas longitudinais para nos
podermos segurar na ondulação. Sem as cordas e como o mar está hoje seria muito
difícil tomar aqui banho sem nos aleijarmos. Aproveito um interregno na
ondulação para entrar. Agarro-me à corda e rapidamente vou para a zona junto às
rochas, onde a água é realmente quente. A agitação do mar não dá propriamente
para fazer de SPA mas a experiência é boa e um banho de água salgada é sempre
revigorante.
Depois do banho fomos até à povoação dos Mosteiros, numa das pontas mais
ocidentais da ilha de São Miguel. É ai que assistimos ao pôr do sol, um dos
melhores da ilha segundo nos disseram. Ainda passamos por Pilar e Pilar da
Bretanha onde encontramos a ermida de Nª Sra. De Lurdes. A pequena ermida
estava fechada mas uns senhores que estavam numa obra ali ao lado rapidamente
chamaram quem tinha a chave. Apareceu um senhor de idade muito simpático que disse
que a ermida era da família dele e que tinham tomado conta da capela com muita devoção
ao longo dos anos. Só não estava sempre aberta para evitar vandalismo e como
ele mora por ali abre a porta sempre que aparece alguém. Em tempos rezou-se a
missa na ermida que não tem mais de 6 metros quadrados. Estava sempre cheia,
disse ele. Claro que a nossa Lourdes não pode deixar de visitar a capela!
Afinal, ambas herdaram o nome da mesma senhora.
Seguimos em direção à povoação de Capelas e pelo caminho ficou a povoação de Remédios mas não houve necessidade de pararmos. Estávamos todos
bem. Melhor ficamos em Capelas depois do jantar no restaurante Sabores do
Velho. Desta feita comemos um prego especial em bolo lêvedo (uma espécie de
bolo do caco da Madeira, mas doce) a acompanhado de uma cerveja preta especial.
Quando perguntei se tinham cerveja sem álcool preta, disseram-me que tinham sim
da “nossa”. Descobrimos que nos Açores têm uma cerveja preta doce sem álcool
que é ume delícia. Aconchegados, voltamos a São Roque para descansar.
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