Á hora combinada saímos
de Toul Kork num Tuk Tuk com 7 pessoas para o cento de Pnhom Penh, junto ao central market, onde fica a loja de
aluguer de motas. Já tinha
passado por aqui algumas vezes nas minhas incursões
na cidade e até já tinha
cá vindo perguntar informações sobre o aluguer. Mas hoje não
precisamos de informações,
vimos mesmo para alugar umas máquinas e
este pessoal com quem venho já sabe
tudo o que há para saber, pois costumam
alugar sempre aqui. Escolhemos a mota que queremos. São
quase todas do mesmo modelo, Honda XR 250cc. Aconselham-me a levar uma preta e
vermelha que alguém já tinha
conduzido numa viagem anterior. Dizem-me que teve um problema mas que foi
arranjada. Não sei se faço
bem ou não mas aqui também
nunca há maneira de saber. Confio na experiência dos meus companheiros.
Faço um testdrive na
rua em frente para me acostumar à mota. Não tenho muita prática de
condução destes "bichos" e os
meses que andei de scooter em Phnom
Penh não sei se me ajudam grande coisa.
Assim que montei e dei gás fiquei
rendido! Rapidamente me acostumei à mota que
diga-se de passagem é leve e ágil, o que ajuda. Fiquei tão
entusiasmado que me demorei mais que o esperado e quando voltei à loja já os meus
companheiros tinham arrancado. Sem stress. Agora é para
desfrutar e isto sabe tão bem!!!
Sigo sozinho de volta para Toul Kork por entre o trânsito
caótico típico
da cidade. Hoje não me aflige porque parece
que chego primeiro que toda a gente.
Antes
de ir a casa passo pela bomba de gasolina para encher o depósito. São 9$ um
pouco mais do que estou habituado com a scooter
(2.5$). Em casa a Marisa está a acabar
de fazer a mala. Quando terminamos arrancamos. Ela pergunta-me admirada
"sabes conduzir isto?". Eu respondo "vamos ver ...".
Juntamo-nos ao resto do grupo na sede da missão
Adventista em Toul Kork. A nossa amiga Rythia também
vai embarcar nesta viagem à pendura.
O grupo é composto no total por 21 motas que vão chegando enquanto ajustamos a mochila com uns elásticos por traz do assento do pendura. O chefe do pelotão e organizador do passeio é o
Pr. Lim Pen um entusiasta das duas rodas. A sua esposa preparou um saco com
bolo de banana para todos que ainda vem quente. Eu não
consigo esperar pelo início da
viagem e ataco logo o petisco. Ainda fica um resto para a viagem. Quando está o grupo completo e equipado para arrancar juntamo-nos num círculo para pedir a proteção
Divina. No grupo somos todos cristãos e se
já temos este hábito
antes de viajar, esta é certamente
uma viagem para reforçarmos as
nossas preces.
Arrancamos
já de noite por volta das 07:00 pm. O
plano é adiantarmos já um
bom troço da viagem antes de dormirmos
algures pelo caminho. Conduzir no Camboja é já de si uma aventura mas numa mota destas à noite é no mínimo radical. Mas foi para isto que viemos. Saímos da cidade por umas ruas alternativas, primeiro em
alcatrão e depois em terra mas sempre
movimentadas. Fora da cidade encontramo-nos com mais dois estrangeiros que se
juntam ao grupo. Um é do Paquistão e
outro das Fiji. Trabalham ambos como voluntários
numa escola cristã. No total somos quatro
estrangeiros. Depois do grupo todo reunido arrancamos pela escuridão da noite num descampado em caminho de terra batida. O
percurso não dura muito. Uns poucos de quilômetros mais à frente
fazemos a primeira paragem para assistência
técnica. Uma das motos está com um problema e sorte a nossa (ou talvez não) que um dos rapazes percebe do assunto. Não sei se é mecânico ou não, mas o
facto é que vem preparado com uma saca de
serapilheira onde embrulha um conjunto de fermentas. O seu nome é Sopek. Em menos de nada no breu da noite juntam-se uma
rapaziada valente de volta da mota. Penso que é um
problema com um fusível
por aquilo que me dizem. O luar desvenda uns enormes lagos construídos a régua e
esquadro mesmo ao nosso lado. Há muita água por ali. Quem diria!? A assistência
prolonga-se por mais de uma hora ao fim da qual já está toda a gente desesperada.
Depois
do problema resolvido continuamos viagem. Passamos num trilho de areia solta
onde comecei a pensar se teria sido boa ideia fazer isto de noite. Todos com
muito cuidado lá ultrapassamos o obstáculo. Como o grupo é grande
algumas motas seguem mais na frente do que outras o que é normal.
Volta e meia paramos para juntar o grupo para garantir que ninguém fica para traz. Há sempre
alguém mais experiente que fica para o fim
a varrer o grupo. Depois da areia o grupo partiu-se um bocado e tivemos de
recorrer ao telemóvel
para reagrupar toda a gente. Mas acabou por ser rápido.
Seguimos viagem mais tarde por uma estrada de alcatrão
bem larga. Andamos um pouco as voltas porque o pessoal da organização está perdido.
Trazem uma fotocópia de uma carta topográfica mal amanhada e usam os telemóveis
como GPS. Eu trago um GPS a sério mas
nem isso ajuda porque simplesmente não sabem
a localização exata do nosso destino! A ideia é ir perguntando pelo caminho, o que nem é má ideia
pois sempre se mete conversa com as pessoas que geralmente são muito simpáticas e
prestáveis. Acontece que são quase duas horas da manhã e
a esta hora é difícil,
se não mesmo impossível,
encontrar gente acordada na província. Um
dos locais onde paramos à beira da
estrada é um estabelecimento qualquer com uma
mesa de bambu e uma rede onde aproveitamos para nos espojar para esticar as
pernas enquanto o pessoal tenta descobrir a direção
à seguir. Entretanto o dono aparece
meio ensonado e em tronco nu com um sarong,
espantado com a comoção aquela
hora da noite. Incrivelmente simpático acaba
por dar algumas instruções após o que seguimos viagem.
Uns
quilômetros mais à frente
mais uma paragem para assistência.
Desta vez é um cabo de embraiagem que se parte.
Canja para o Sopek que mais uma vez "saca da saca" com as ferramentas
e desta vez resolve o problema num ápice. Volvemos à estrada
e mais à frente paramos para dormir. São 03:00 am e a rapaziada está toda
rota. Montamos o arraial junto a um imenso arrozal e descansamos que o corpo
bem merece.
Ás 6:00 am a rapaziada
acorda o acampamento com as mais belas canções
Khmer da atualidade. A música
toca numa pequena mas potente coluna, daquelas que os "dreads" usam, que já nos tinha deliciado na noite anterior. Estamos por isso fresquinhos para um
novo dia. Tomamos o pequeno almoço com o
farnel que trouxemos e acabamos o bolo de banana. Enquanto arrumamos as coisas
alguns dos rapazes tentam algumas habilidades nos pequenos montes que dividem
os arrozais. Alguns lá vão com o nariz ao chão
para regalo dos que assistem, mas nada de grave. É uma
verdadeira comédia. Depois de tudo
arrumado juntamos o grupo e fazemo-nos à estrada
por volta das 7:00 am. O objectivo é chegar
ao destino pela manhã cedo. Não muito longe do local onde pernoitamos paramos numa
pequena bomba de gasolina para atestar os depósitos
e comprar água fresca. O calor já aperta! Os proprietários
ganham o dia com este maralhal todo e mesmo assim alguns ainda foram parar numa
bomba mais à frente para nós
despacharmos. Durante o dia é mais fácil perguntar por direções
e assim evitamos andar às
voltas. Seguimos durante alguns quilômetros
por alcatrão numa estrada em que volta e meia
aparecem ramos de árvores no eixo da via. Uma
coisa muito estranha pois por um lado parece um acidente da natureza mas por
outro parece que estão espaçados em intervalos certos! Temos de conduzir com muita atenção não vamos
nós esbarrar contra uma coisa destas.
Para ajudar a festa alguns troços da
estrada estão em obras com máquinas
para um lado e para o outro. Depois do alcatrão
passamos para ume estradão de terra.
É literalmente um estradão largo e em preparação
para receber o pavimento, quem sabe quando. Em alguns troços,
uma das faixas está mais elevada pois ainda tem
terra em bruto à espera da máquina para ser alisada. Alguns dos rapazes deliciam-se
nessa parte pois tem mais irregularidades o que torna a viagem mais
interessante. Não é certamente
a opção mais confortável
para quem segue com pendura na mota. O estradão
só por si é muito
divertido mas a paisagem ainda torna a coisa mais emocionante. As palmeiras e
os arrozais com as montanhas por traz, as vacas e os búfalos
que encontramos pelo caminho na estrada e fora dela, as casas de madeira sobre
estacas no meio dos charcos são do
mais espetacular que o Camboja pode oferecer. A única
coisa que nos impede de desfrutar totalmente da paisagem é
o
pó que é muito
e se entranha por todo o lado, incomodando especialmente a vista.
O
estradão atravessa uma zona praticamente
virgem desta província a norte de Phnom Penh.
Depois de alguns quilómetros
chegamos a uma pequena vila onde paramos para obter mais informações. Seguimos por caminhos de terra cada vez mais estreitos
até que as coisas se começaram a complicar no meio da floresta. Até aqui tinha sido uma papa.
Agora temos um trilho com pedras, pedregulhos, buracos e árvores
que não tem mais do que dois metros de
largura e ainda para mais sempre a subir. O resto é floresta.
Grau de dificuldade intenso portanto. Vamos todos com jeitinho a tentar
escolher o melhor local para passar e atentos para não
levarmos com um ramo na cabeça. Não fora o capacete e eu talvez a esta hora ainda ali
estivesse a jazer com um bambu escarrapachado na fronte. O trilho parece que
nunca mais acaba. Finalmente depois de alguns quilómetros
intensos lá chegamos ao tão
desejado destino, umas quedas de água
perdidas na floresta.
Longe
dos olhares dos turistas e também dos
locais, poucos Khmers sabem da existência
deste local. O Pr. Lim já tinha cá vindo em tempos idos mas nem ele já sabia
muito bem como cá chegar. Mas essa é parte da beleza deste local. Somos os únicos
ali e quando desligamos os motores das motas conseguimos finalmente ouvir o som
da água a correr montanha abaixo. É tempo para relaxarmos. Descemos até a
um dos níveis das quedas de água e depois foi o que se pode imaginar. Alguns rapazes até trouxeram sabonete para se lavarem como deve ser. A água fresca sabe mesmo bem depois de uma manhã calorenta em cima da mota. Andamos por ali a chafurdar
durante algum tempo e depois almoçamos
também por ali. O restaurante foi uma das
rochas por cima de uma das lagoas, com 3 estrelas Michelin. O menu, esse foi o
farnel que trouxemos de casa. Um cenário
perfeito para uma viagem épica que
ainda estava longe de terminar.

Depois
do almoço e do banho é hora
de voltar à estrada. O que já
não nos queremos lembrar é que
daqui até chegar à estrada
ainda temos uma longa odisseia pela frente, desta vez no sentindo descendente.
Passadas mais algumas dificuldades ultrapassadas com mestria, modéstia à parte,
chegamos à planície.
Agora para o regresso traçamos uma
rota por estradas e caminhos ainda não
explorados para quebrar a monotonia. São por volta das 01:00 Pm quando partimos na direção de Phnom Penh mas ainda estamos muito longe. Pelo caminho
ainda houve oportunidade de comer muito pó.
Uma
das paragens que fizemos foi numa pequena vila à beira
da estrada. Os habitantes locais, principalmente os mais jovens, estão super curiosos. Afinal não
é todos os dias que veem motas destas por aqui, apesar de muita gente andar de
mota. É uma alegria quando nos metemos com
eles e também para os comerciantes das pequenas
barraquinhas que acabam por fazer negócio.
Uns compram um refresco local composto por leite condensado, um qualquer
concentrado de sumo e gelo, muito gelo. Do lado oposto da estrada, outra parte
do grupo alapa-se numa casa local numa mesa de bambu por baixo da casa depois
de os moradores os convidarem para comer. Aqui é mesmo
assim. Toda a gente se "conhece"
e ninguém desconfia de ninguém. As pessoas são puras é muito amigáveis. Ficamos
por ali algum tempo em amena cavaqueira para descontrair um pouco. Afinal de contas temos passado a
maior parte do tempo na estrada. Sabe bem descontrair de vez em quando. Não podemos perder muito tempo porque queremos chegar a casa
ainda durante o dia. Algumas motas já não têm luz
por isso não podemos arriscar.
Seguimos
viagem passando por uma variedade de tipos de terreno, incluindo mais pistas de
areia. Quando passamos pelas vilas no caminho destruímos
a pacatez do local com o roncar dos nossos motores. Toda a gente vem para a
beira da estrada para ver as motas passarem. Não
deve ser todos os dias que veem tanta
mota junta e a fazerem tanto barulho. As crianças
pulam de alegria quando apitamos a lhes acenamos o braço.
É um gozo total, mais para nós do que para elas, só que
elas não sabem.
Esta
história não
podia terminar sem um furo. No grupo todo tivemos apenas um furo que nos
obrigou à última paragem para assistência. Uma das motas teve um furo na roda da frente na
passagem por uma pista de areia no meio de uns arrozais. Mais uma empreitada
para o Sopek que tem sido o único que
para além de se divertir teve de trabalhar
também.
Apesar
do esforço, acabamos por chegar a Phnom Penh já de noite, por volta das 08:30 pm. Já não víamos a
hora de chegar a casa tal era o desgaste. Mas apesar do cansaço esta foi uma viagem para ficar na memória e para repetir um dia destes numa qualquer parte remota
do planeta.