
Encontramo-nos no “The Laughing Fatman” em
Phnom Penh, perto do palácio real, com um grupo de Britânicos
que “conheci” num grupo no Facebook. Estávamos
ambos à procura de partilhar um táxi para Kampot,
procedimento habitual por aqui para ultrapassar a curta oferta de horários
dos serviços regulares de autocarros e mini-bus. Eles como são um
grupo de seis pessoas alugaram uma carrinha que sai mais em conta. Juntando
mais dois, ainda fica mais barato. Encontramo-nos ao final da tarde para
arrancarmos por volta das 18:00. Enquanto esperamos pelo táxi
eles vão bebendo uns copos para se prepararem para a viagem. Perto das 19:30 lá saímos de
Phnom Penh numa curiosa alegoria à mais antiga e duradoura aliança do mundo. Na carrinha segue uma representação
completa do Reino Unido, constituída por dois Ingleses, um Escocês, um
Irlandês da Irlanda do Norte e duas raparigas do país de
Gales. Para completar o painel estamos nós dois portugueses. Quando em 1373
firmamos o tratado de perpétua amizade jamais seria de prever este encontro. E assim partimos nesta terra longínqua
onde outrora nem Portugueses nem Britânicos ousaram explorar.
Passadas quase quatro horas de viagem e várias
paragens pelo caminho para abastecer a sede voraz dos nossos aliados lá
chegamos a Kampot. Pelo caminho “desfrutamos” de uma variedade musical simpaticamente
cedida pelos nossos companheiros de viagem. Primeiro a partir de um iPhone e
mais tarde em interpretações reais de todo o grupo Britânico
com um vasto reportório desde Coldplay, Oasis, passando por Gospel até traditional Irish folk. Foi um regalo,
portanto. A rotunda do duriam fica no centro da cidade e foi ai onde nos
encontramo-nos com a proprietária da guesthouse
onde ficamos nessa noite. Fomos dormir ainda com o Irish folk na cabeça.
Acordamos pela manhã solarenga em Kampot. Tratamos de alugar uma mota
na recepção e lá partimos. Antes de nos fazermos à estrada fomos tomar o pequeno almoço à beira
rio, no Rikitikitavi. É
uma guesthouse de qualidade superior com um restaurante num terraço em
madeira com uma vista fantástica e um ambiente muito simpático. Antes
de sairmos da cidade demos uma volta de reconhecimento para ver o ambiente.
Kampot é uma cidade muito turística, um dos principais retiros de fim de semana
dos expatriados que saem de Phnom Penh para desanuviar. Tem muitas guesthouses
e restaurantes onde se pode encontrar de tudo o que se tiver vontade. A "Old
Market Street" é uma das principais artérias
da cidade onde se nota mais movimento. É uma cidade muito tranquila em que se pode
andar a pé com facilidade pois não é muito grande. O rio dá-lhe
um ambiente ainda mais relaxante.
Bokor Hill Station
Passamos o rio sobre a ponte antiga na direção
Oeste para sairmos da cidade. O primeiro sitio que vamos visitar é o
parquet nacional Preah Monivong, mais especificamente a "Bokor Hill Station", uma antiga relíquia
dos tempos coloniais no ponto mais alto do parque. Até
chegarmos à entrada do parque são
sensivelmente 5 km. Á entrada cruzamo-nos com uns Franceses que vinham
a chegar do topo num Citroën 2CV. Estivemos à
conversa durante alguns minutos. Contaram-nos que mandaram vir o carro de França para
o Vietname de barco e que andavam já à dois meses a viajar por todo o sudeste
asiático. Avisaram-nos que lá em cima estava fresco. Quando voltamos à
estrada encontramos mais uns quantos que pertenciam ao grupo. Enquanto uns
descem em quarto rodas, outros sobem em duas. O percurso até à estação tem
cerca de 30 Km e muitas curvas, mas faz parte do passeio, e podemos ir parando
pelo caminho para apreciar a paisagem e outros pontos de interesse. Um desses
pontos que fica sensivelmente a meio do percurso é o “Black
Palace” outrora uma villa do príncipe
Sihanouk. No lado oposto fica a grande estátua de
Lok Yeay Mao, o grande Buda que se ergue no topo do seu pedestal como que a
zelar pelo vale que se estende até ao Golfo da Tailândia. Esta
é uma das primeiras paragens “oficiais” dos tours e por isso o movimento de gente
é grande, predominantemente locais.
Seguimos viagem até ao topo. Passamos pelo "Thansur Bokor Highland
Resort", um moderno complexo hoteleiro com um casino que se espera trazer muitos
turistas chineses. Só hotéis para além do edifício
central, contamos mais nove entre os já acabados e outros edifícios
ainda em construção. Num futuro muito próximo
esta será certamente a “Macau” do Camboja.

Depois do resort e no campinho para o topo, encontramos a antiga igreja católica.
A beleza do exterior contrasta com a degradação no
interior! Por fora o edifício mantém os traços
arquitectónicos originais com as suas paredes alaranjadas pelo tempo. No interior porém
apenas uma sala ampla e alguns anexos vazios e vandalizados. Ao centro no salão
principal, uma imagem de Jesus Cristo com alguns adornos colocados por quem
passa como que a guardar o que que resta de um tempo remoto. A partir da igreja
subimos por um caminho de empedrado até a uma plataforma natural de onde podemos
avistar todo o Vale das Esmeraldas numa vista de cortar a respiração. Da
igreja ao palácio é um pulo. O "Bokor
Palace" é um edifício de quatro andares que entrou ao serviço em
1925, com um hotel e casino para as elites de então
erguido a 1080 metros de altitude (nos padrões do
Camboja isto é o que se pode chamar uma montanha). Passados 30
Km na estrada alcatroada e de mais do que uma hora de viagem, certo que com
paragens pelo caminho, não posso deixar de me pasmar com o que seria esta
viagem nos idos anos 20! Ao contrário do que é habitual no Camboja, esta é uma estrada
de alcatrão de padrões Europeus que foi recentemente pavimentada. Até à pouco
tempo era uma estrada de terra. Imagino como seria naquela altura a viagem!

A visita ao palácio é uma experiência estranha. E não tem
nada que ver com supostos assombramentos como já li em
algumas fontes pouco fidedignas. Aqui não se passa nada e talvez seja por isso que
a experiência é estranha. O edifício é uma ruina que entretanto foi levando algumas “lavagens
de cara” para se manter de pé. Podemos circular à
vontade pelos salões, pelos quartos, pelas zonas de serviço no
piso térreo, pelos terraços e por todo o lado. Não há
visitas guiadas nem qualquer informação que nos assista. O que sabemos é a
informação que temos no Lonely Plannet que
carregamos no iPad e que nos vai contando um pouco da história do
palácio. Os quartos mantém alguns azulejos originais, sujos e descuidados
pelo tempo, porque quem aqui vem não limpa nada. O edifício
está em boa verdade à mercê dos visitantes. A única
pessoa que presta aqui algum serviço é um guarda que se encontra no lado oposto da estrada
cuja única preocupação é guardar os veículos
dos turistas, nos intervalos das sestas. Mas a condição em
que deixaram o palácio proporciona uma sensação
agradável de criatividade mental. Assim como quando lemos um livro podemos
imaginar tudo o que o nossos cérebro vai captando nas linhas de texto, aqui à
medida que andamos pelo hotel, podemos imaginar tudo o que o nosso cérebro
capta nas imagens vazias e transformá-lo para o que teria sido este majestoso
palácio. As elites coloniais do início do séc. XX, governadores e ilustres convidados todos
num ambiente de luxo pouco comum para a época (e mesmo ainda hoje) neste país de
modestos costumes. No piso inferior aquilo que parece ter sido outrora uma
piscina interior, faz-nos pensar como seria a estadia neste refúgio de
montanha. Claro que esta transformação que aqui fazemos será
sempre condicionada à nossa realidade, mas por isso também o
proveito da experiência. A estação Bokor
foi por duas vezes deixada ao abandono. Primeiro, durante a guerra pela independência
com a França nos finais dos anos 1940s; depois novamente num
período conturbado quando as forças dos Khmer Rouge derrubaram o regime de Lon Nol
em 1972. Mais tarde, em 1979 durante outra libertação do
Camboja, as forças Vietnamitas refugiaram-se no palácio
disparando durante vários meses contra os Khmer Rouge que se refugiaram
na antiga igreja católica, a 500 metros de distância. Por
tudo isto a experiência é estranha, como já
referi, mas muito interessante se bem aproveitada. Um pouco mais à frente do palácio
está a antiga casa do governador, um edifício de dois andares também em
ruinas. À porta do edifício um grupo de turistas locais fazem um aparatoso
e farto piquenique. Vimos o interior do edifício
completamente degradado sem grande interesse e seguimos viagem.

Ainda no topo
do Bokor, visitamos a "Wat Sampeau Bram Roi", um complexo de templos de onde se
tem umas vistas fantásticas sobre a selva até à
costa. Em dias de boa visibilidade é possível
avistar a ilha Phu Quoc no Vietname, mas hoje não é um
desses dias. Voltamos à estrada para fazer o percurso de volta até
Kampot.
Antes de entrarmos na cidade, fizemos um pequeno desvio por uma estrada
de terra até ao mar. Que saudades já
temos do cheiro do mar!
O ambiente de Kampot
De volta à cidade vamos buscar as mochilas à
guesthouse para nos mudarmos para outra guesthouse. Na segunda noite decidimos
ficar numa das várias opções que existem à beira do rio. Ficamos na Samon Village a cerca de 1 Km do centro. O espaço é muito
agradável com bastante vegetação e um ambiente muito descontraído. Os
quartos são bungalows independentes feitos de bambu com telhados de colmo, alguns
literalmente em cima do rio. Também em cima do rio fica a recepção e o
restaurante/lounge com sofás e
mesas em madeira e os tradicionais hamocks como não
podia deixar de ser. Esta é uma das razões da popularidade da cidade junto dos
estrangeiros. Depois de passar algum tempo na capital, nada melhor do que tirar
uns dias para descer até aqui para relaxar. A oferta é vasta
e variada, tanto no que diz respeito a alojamento como restauração.

A tarde está a chegar ao fim e depois de nos instalarmos e
descansarmos um pouco à beira rio, voltamos à
cidade para darmos uma volta com mais calma pelo centro. Kampot é a
cidade no Camboja que, segundo dizem, é a que conserva o maior património
arquitectónico colonial. Todos os edifícios emblemáticos da cidade foram construídos
durante a governação Francesa. Passamos pela prisão, não que
tivéssemos algum assunto em particular para tratar, um edifício
muito degradado que dá ideia nunca mais ter sido reparado desde a
independência. No mesmo estado está o cinema antigo. Por outro lado, a antiga mansão do
governador foi aproveitada pelo governo atual e é um
dos edifícios mais imponentes da cidade. Alberga também um
museu. A escola de música tradicional trabalha com jovens desfavorecidos
e alguns deficientes e costuma apresentar espetáculos
nas suas instalações. Hoje está fechada. Para além
destes, muitos outros edifícios coloniais foram aproveitados e remodelados e
são hoje hotéis e restaurantes.

Antes de voltarmos à
guesthouse, paramos na marginal, à beira do rio, para apanharmos algumas fotografias
do pôr do sol. De volta à guesthouse, terminamos o dia com um delicioso jantar
em cima do rio com o mais distinto requinte que a simplicidade pode oferecer.
Shiva e a pimenta
Deixamos o rio para trás e saímos de manhã para
o centro. Tomamos o pequeno almoço no Epic Arts Cafe,
um espaço digno de uma visita. É um café/restaurante com uma galeria de arte
criado por uma NGO Inglesa para apoiar
jovens deficientes. Alguns dos empregados são
surdos e o menu vem com uma folha para circularmos o pedido. No menu vêm
algumas indicações em linguagem gestual para ensinar os clientes.
Enquanto esperamos visitamos a galeria no andar de cima e os vários
produtos que vendem, todos feitos pelos jovens. Enquanto tomamos o pequeno almoço
alguns jovens deficientes vêm fazer uma visita ao café, uns
só para cumprimentar os colegas, ouros ficam por ali a navegar na Net. Um
batido fantástico e umas papas de aveia daquelas de encher o
bandulho são o aperitivo ideal para o dia que temos pela
frente.

Nos arredores de Kampot, nos montes de limestone em direção a
Kep a Este, entalhado no meio rural fica o templo Phnom Chhnork. Para lá
chegarmos passamos por várias vilas rurais e pelos campos de arroz (ou
arrozais) o que é sempre um prazer. Á
chegada ao local somos recebidos por várias crianças que
se oferecem como guias, a troco de qualquer coisa, claro. Também
andam por ali alguns turistas, mas são mais as crianças que
nos seguem na espectativa de poderem prestar os seus serviços.

Nada de assustador, convém referir. São simpáticos
e alguns com um inglês fluente. Quando percebem que não vão
ganhar nada connosco, dispersam. Pagamos 1$ à
entrada e subimos uma escadaria de 203 degraus até uma
caverna com uma estalactite em forma semelhante a um elefante. Dentro da
caverna está um pequeno templo do séc.
VIII em tijolo, dedicado a Shiva. A proteção oferecida pela caverna ajuda o templo a
manter-se em boas condições dado o tempo que tem. A partir deste ponto
temos duas opções para voltar, ou voltamos pela escadaria ou
aventuramo-nos pelo interior da caverna. Á boleia de um casal e do seu condutor de
Tuk Tuk, optamos pela aventura. No meio da escuridão,
alumiados com a luz do telemóvel e de chinelo no pé,
desfrutamos agora de um cheirinho de espeleologia. Descemos por várias
pequenas galerias, apenas habitadas por morcegos, até que
finalmente voltamos a ver a luz do dia. Saímos
por uma ponte construída com um único tronco de árvore.

De volta na mota e já de saída da área,
dois miúdos tentam ainda prestar os seus serviços.
Falam-nos de um lago secreto que há ali perto e que nos podem lá
levar. Não percebo bem como, uma vez que eles estão a pé e nós já somos
dois na mota! Pego num resto de uma tablete de chocolate branco que temos na
mota e ofereço-lhes. Eles ficam radiantes, pois não
devem apanhar disso por aqui todos os dias. Até para
nós, o chocolate é um luxo aqui no Camboja! Pergunto-lhes depois
como é que se vai para o lago e eles lá me dão
algumas indicações. Seguimos à
distancia um Tuk Tuk que saiu pouco antes de nós com
um casal de Franceses. Com sorte também vai para o lago ou outro qualquer local
de interesse, pois se fosse de volta à cidade, o caminho era outro. Seguimos
sempre por terra junto a um canal artificial com uma água
cor de café, de fazer crescer água na
boca aos apreciadores, que o digam um bando de patos que ali chafurdam
alegremente. Um grupo deles segue-nos durante algum tempo, ou talvez nós a
segui-los a eles.

Pelo caminho ainda encontramos uma criança a socorrer uma vaca que estava no charco. A vaca lá se safou num final feliz. Passada muita terra e imenso pó lá
encontramos o lago secreto. Não sei como é que um lago tão imenso
pode ser secreto! Talvez o queiram manter assim para não
estragar um lugar edílico no meio do nada. A vegetação de
repente transforma-se e a aldeia de casas sobre estacas numa das margens dão-lhe
uma aparência de um lugar imaginário. Nunca um chocolate me foi tão
proveitoso! Circundamos apenas uma pequena parte do lago e passamos sobre um
troço de alcatrão onde as águas do lago banham uma praia de pedras. O
Tuk Tuk que seguíamos também para aqui e enquanto conversamos com o
casal Francês, o condutor trata de arrefecer o motor da mota
com a água do lago, tal o esforço para aqui chegar.

No extremo oposto do troço, vimos uma placa com indicações
para a Starling Pepper Farm, uma quinta de produção de pimenta, outro dos locais que queremos
visitar. Kampot é a maior produtora de pimenta do Camboja, e uma
dos centros de produção mais importantes da Ásia. Existem várias quintas na região e é a partir daqui que se exporta pimenta para todo o mundo. Na cidade também é possível
comprar pimenta quase em todo o lado. Algumas no entanto é
preciso ter cuidado, pois não são originais daqui, são
importadas da Tailândia ou sabe-se lá de
onde e depois colocam-lhe um rótulo da Kampot. São
meandros de um negocio de contrafação, onde neste caso, o feitiço se
virou contra o feiticeiro. Seguimos novamente por terra num estradão
largo onde podemos rolar rapidamente até chegarmos à
quinta. Fomos entrando por ali a dentro sem ninguém nos
perguntar nada. Estacionamos a mota junto a uns Tuk Tuk's e as árvores
da pimenta estão logo ali.

Mais uma vez não há
informações nem guias e desta vez nem miúdos. Estamos por nossa conta. E é assim
que exploramos a plantação, enquanto que outros turistas andam a fazer o
mesmo mas com o seu condutor. Passamos nas fileiras de pimenteiras a perder de
vista que são árvores trepadeiras. Umas trepam por umas
estruturas de tijolo, tipo chaminé. Outras trepam por estacas de madeira. Estão
ainda verdes, mas de vários tamanhos. Podem ser apanhadas mesmo assim e
depois deixadas secar para fazer a pimenta preta ou branca. Só a
pimenta vermelha é que é deixada a amadurecer até
ganhar cor, mas não vimos nenhuma vermelha. Podemos passar o dia
aqui a percorrer hectares de pimenteiras.

Quando voltamos para a mota
cruzamo-nos com uma manada de vacas que seguem pelas fileiras de pimenteiras.
Este será por ventura o bife de pimenta mais natural que alguém pode
desejar. Depois vamos visitar o restaurante e a loja, que fazem parte do
moderno resort da quinta. Aqui não se
trata apenas de produção de pimenta, mas também de
dispor de uma experiência única de alojamento num ambiente sublime na
natureza. Uns modernos bungalows
trepam pela colina até ao topo onde está um
charmoso restaurante e uma piscina de
onde se avista toda a planície verdejante pautada pelo sabor apimentado de tão ilustre
especiaria. Voltemos à realidade...
De volta a Kampot, devolvemos a mota e fomos novamente ao Rikitikitavi,
desta vez para almoçar,
onde comemos um fantástico Vegi Burger, que por acaso é o
prato do dia. Depois de almoço apanhamos o minibus. Desta vez deixamos velha
aliança para trás e ao fim de 4 horas de viagem e muitas paragens “flash” pelo
caminho para apanhar mais um Khmer, lá chegamos à
capital.