Kanchanaburi
(pronuncia-se gaan jà ná bù rii) é uma cidade provincial, escape de fim de
semana de muitos dos habitantes de Banguecoque. Localizada perto da fronteira
com Myanmar, a cidade seria praticamente desconhecida não fosse o rio que por
lá passa e uma ponte que atravessa o rio, a Ponte Sobre o Rio Kwai. Foi o clássico de David Lean de 1957 que colocou a cidade no mapa do mundo mas acima de tudo,
manteve viva uma parte da história mundial que jamais devemos esquecer.
Estamos a chegar ao fim da nossa curta estadia na Tailândia. Adotamos a
capital como base pois é a principal artéria de transportes para onde quer que
queiramos ir. Desta vez vamos para oeste. Saímos do hotel manhã cedo para o
Victory Monument para apanharmos um mini-bus para Kanchanaburi. Também há comboios, mas para uma visita de um dia apenas,
perde-se muito tempo na viagem. As carrinhas, mini-bus são mais rápidas e há
muita oferta. Depois duas horas chegamos a Kanchanaburi. Ao contrário da viagem
que fizemos no dia anterior, desta vez parece que nem sequer chegamos a sair dos
subúrbios da capital. Durante toda a viagem nunca deixamos de ver a mancha
urbana.
Desembarcamos na estação de autocarros e a
primeira coisa que fizemos foi ir a uma pastelaria com muito bom aspeto, coisa
que já não vimos a algum tempo. Compramos diversas variedades de doces e
salgados para tirar a barriga de misérias e lá fomos nós à descoberta da
cidade. Seguimos para o museu central dos caminhos de ferro, “Thailand-Burma Railway Centre Museum”. A
história do caminho de ferro é em parte a história desta cidade. É impossível
dissociar uma coisa da outra se quisermos verdadeiramente conhecer Kanchanaburi.
O museu mais do que uma exposição é um espaço
de reflexão. Com um vasto espólio informativo, conta de forma detalhada a
história da linha de caminho de ferro entre a Tailândia e a antiga Birmânia
(agora Myanmar) idealizada pelo império japonês durante o período da II Guerra
Mundial. Construída em 1943 com uma extensão de 415 quilómetros ligava Banguecoque a Rangoon, num empreendimento que se julgava
impossível para a época, tal a geografia agreste da região (floresta densa) e a
falta de meios. Não fora o trabalho forçado dos prisioneiros de guerra e a
linha nunca tinha chegado a existir, dai também ser conhecida como o caminho de ferro da morte, tal o elevado custo pago com vidas humanas
para a sua construção. A linha original foi encerrada em 1947 após o final da
guerra. Mais tarde o governo Tailandês decidiu reabrir a parte do caminho de
ferro no seu território e é hoje parte integrante da rede ferroviária do país. O
museu não é muito grande, mas se quisermos perder algum tempo ficamos a
conhecer toda a história. Nos vários espaços pode-se ver também alguns dos
materiais originais utilizados na construção, bem como modelos à escala de
várias seções. Uma das salas é um modelo à escala do que seria uma enfermaria
para tratar os desafortunados prisioneiros que se aleijassem ou que adoecessem,
o que era muito comum devido ao elevado calor e humidade da região e
consequentes doenças endémicas.

A visita ao museu termina no 1º andar onde
temos um bar com vista panorâmica sobre uma das outras atrações da cidade, o
cemitério dos aliados que fica no lado oposto ao museu. Não deixa de ser perturbante
depois de revivermos a história dar de rosto com o trágico resultado, traduzido
nas inúmeras lápides lá em baixo.
Já no cemitério cruzamo-nos com muitos
turistas que entretanto vão chegando em minu-bus. Alguns, provavelmente até
podem ter familiares aqui sepultados. Está um sol abrasador e as lápides
perfilam-se no verde resplandecente, cuidadosamente mantido pela War
Graves Commission
da Commonwealth. De acordo com os dados oficiais da comissão estão aqui
sepultadas 6980 vitimas, sendo a maior parte soldados Britânicos. Para além
destes, contam-se ainda entre os falecidos, soldados Australianos e Holandeses.
É uma homenagem digna a esta gente que perdeu a vida tão longe de casa.
Estima-se que pelo menos 100 000 pessoas tenham perdido a vida durante a
construção do caminho de ferro Tailândia-Birmânia, sendo na sua maioria
trabalhadores de países asiáticos vizinhos. Destes porém não se conhecem
sepulturas.
Depois do cemitério fomos até à estação de
comboios de Kanchanaburi que fica muito próximo. Queremos saber informações de
horários para Banguecoque, pois queremos fazer a viagem de
volta de comboio. Dizem-nos que há um comboio por volta das 16:00. Aqui já
percebemos que é sempre “por volta” e que a “volta” às vezes pode ser grande.
Mas não importa, não temos pressa e ainda temos a atração principal para
visitar. Voltamos à avenida principal, a estrada Sangchuto, onde apanhamos uma
pick-up de caixa aberta transformada em autocarro local que transporta
passageiros ao longo da cidade por uns irrisórios 10 Baht’s (0.30$) por pessoa.
Explicamos ao chofer onde queremos ir e ele prontamente diz para entrarmos que
nos avisa quando for para sair. Seguimos viagem com uns miúdos da escola todos
equipados para um jogo da liga dos campeões locais. Uns minutos depois paramos
e o senhor lá nos indica a direção da ponte. Caminhamos durante alguns metros e
lá encontramos a ponte sobre o rio Kwai, local de peregrinação de turistas
estrangeiros e também de muitos locais. O meio envolvente é simpático com um
mercado de bugigangas, muitas bancas ao longo da linha de comboio e
restaurantes à beira rio. Há um pequeno comboio que faz a travessia da ponte
para levar os turistas mais preguiçosos. A outra opção é atravessar a ponte a
pé. Apesar de parecer algo imprudente à distância destas linhas, para quem está
no terreno acaba por ser muito normal. Afinal os verdadeiros comboios não
passam aqui com muita frequência e o comboio turístico é uma pequena
brincadeira que circula à mesma velocidade a que andamos. Para além disso a
ponte tem algumas plataformas salientes em que as pessoas se podem recolher à
passagem dos comboios. Na verdade a ponte tem mais movimento de pessoas do que
de comboios. Atravessamos a ponte para a margem direita do rio. Tiramos
fotografias enquanto pensamos na primeira travessia que aqui ocorreu e a quanto
custo ela foi possível.

A travessia da ponte mais do que um evento impressionante é acima de tudo uma experiência imersiva na história recente. A extensão original da linha contudo nunca
mais seria reaberta, pois parte da linha no território de Myanmar está submersa
devido a uma barragem entretanto construída. Apesar de tudo, o maior ícone
desta linha de caminho de ferro continua firme e profícuo. Inicialmente
construída em bambu foi destruída logo após a sua inauguração. Viria a ser
reconstruída mais tarde, desta vez em ferro. Atualmente só restam os vãos
exteriores curvados da ponte original que resistiu ao ataque das forças
aliadas.
Voltamos à margem esquerda e descemos até à beira rio. Sentamos por uns
momentos num dos restaurantes flutuantes de onde se tem umas boas vistas para a
ponte. Enquanto nos refrescamos com um batido e um gelado e apreciamos a ponte
de outro ponto de vista, eis que uma chuvada valente se abate sobre o rio. E
ele, o rio Kwai, permanece impávido e sereno como quem a outras tempestades
piores já tivesse sobrevivido. E cá ficou para contar a sua história.
Para termos a experiência completa, resta-nos fazer a viagem na linha de
comboio. É possível fazer a viagem de Banguecoque até Nam Tok, a cerca de 60
quilómetros de Kanchanaburi, onde a
linha termina. O comboio para mesmo na estação da ponte sobre o rio Kwai e é a
partir dai que vamos fazer a viagem de regresso à capital. Ninguém sabe bem a que horas chega o comboio,
mas a policia de serviço junto à ponte assegura-nos que comboio vai mesmo chegar.

Fazemos tempo
passeando pelas bancas de vendas. Bebo uma água de coco para refrescar,
compramos um livro sobre a história do caminho de ferro e depois de algum
tempo, lá chega o comboio. Desta vez é um comboio a sério que mete respeito ao
entrar na ponte, nada como o comboio turístico. Circula lentamente pela linha
enquanto as pessoas se vão afastando até parar na estação. Como é considerada
uma linha histórica, o preço da viagem para estrangeiros é fixo,
independentemente da estação em que entramos/saímos. Pagamos 100 Baht’s (3$)
por pessoa, ainda assim menos do que pagamos no mini-bus.

Seguimos agora pelo percurso original idealizado pelos japoneses e ao
contrário da viagem de mini-bus, agora passamos pela província profunda, atravessando
imensas áreas verdes pelo caminho. A viagem de comboio apesar de lenta é sempre
mais interessante. Estão constantemente a vender comida e bebida e desta vez
compramos umas goiabas verdes para nos entretermos pelo caminho. Juntamos a
mistura picante e temos um petisco agridoce que começamos por estranhar mas que
acabamos por apreciar.
Passadas 4 horas chegamos a Banguecoque já de noite à estação de Thon
Burin a Oeste do rio. Partilhamos um táxi com um polaco que conhecemos ainda na
ponte para o centro, de onde apanhamos o SkyTrain de regresso ao hotel.
O dia seguinte foi para descansar antes de apanharmos o voo de regresso
a Phnom Penh. Aproveitamos o sol para relaxar na selva urbana, desfrutando das
comodidades do hotel. Por volta da hora do almoço seguimos para o aeroporto Don
Mueang. Na viagem ainda conhecemos um Neozelandês que tinha passado à uns anos
atrás por Portugal. Tinha estado com um amigo Inglês na zona de Lagos e gostou
muito do ambiente e dos portugueses em geral. Agora seguia viagem para Phuket
para ir fazer mergulho, onde ia encontrar-se com a mulher que vinha da Nova
Zelândia. E é este cruzamento de povos e de gentes que continua a ser a
essência de viajar.
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