Viva Campo de Ourique

No rescaldo da "Intifada Francesa", Miguel Sousa Tavares escreve hoje no Público uma crónica excelente sobre como o encontro de gerações, culturas, religiões e estilos de vida pode ser uma realidade, exemplificando-o com o caso de Campo de Ourique.
Talvez por ser o "meu bairro" este artigo me diga muito, mas a realidade do que se "cheira" naquelas ruas é mesmo o que MST consegue expôr por palavras no artigo. Vale a pena ler.
Como o texto on-line só está disponível para que tenha a assinatura, aqui fica um parágrafo:
"Pensando na explosão de ódio e de revolta que agora se vive à roda das cidades francesas, naquelas comunidades inteiras de populações imigrantes que não se sentem ligadas cultural e afectivamente aos locais onde vivem, que vêem o bairro como uma prisão e a rua como um terreno de confronto, dou-me conta até que ponto Campo de Ourique (não sei se por gestação espontânea, se porque alguém planeou e previu bem as coisas) é um bairro modelar, em termos de integração social interclassista e intergeracional, de justo equilíbrio entre comércio, serviços e habitação, entre espaços públicos e privados. E, afinal, este tão raro exemplo de harmonia e qualidade de vida urbana não precisa de nenhuma grande construção de referência, nenhuma urbanização de encher o olho, nenhum centro comercial (antes pelo contrário, o segredo é não o ter), nenhuma piscina municipal nem pavilhão gimnodesportivo, nenhuma rotunda com canteiros e estátuas pseudomodernas, enfim, nada que encha o olho e que mostre dinheiros públicos ou fortunas privadas. Apenas bom senso, sentido de equilíbrio e proporção humana. Depois, as pessoas fazem o resto: andam na rua sem pressa nem atropelos, param para conversar à porta das lojas, saúdam-se nas esquinas, passeiam as crianças, os velhos ou os cães, namoram ou lêem o jornal nas esplanadas, almoçam a horas certas na sua mesa de sempre dos seus pequenos restaurantes, numa palavra, vivem a cidade, não se limitam a sofrê-la ou a passar por ela. Certamente que aqui também há gente triste, sozinha, com vidas terríveis. Mas, pelo menos, a rua não os agride: conforta-os, distrai-os e, acima de tudo, dá-lhes um sentido de pertença a uma comunidade - que hoje é coisa tão rara e tão preciosa numa cidade, como o são o peixe, a fruta e os legumes do mercado de Campo de Ourique". Miguel Sousa Tavares, O Público, 11/11/2005
João Martins

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